quarta-feira, 24 de setembro de 2008

GANHEI NA LOTERIA!



Ganhei na loteria. Não foi nada o suficiente para dar um pontapé
no traseiro do imprestável do meu cunhado e o expulsasse da minha
casa, ou de largar ele, a irmã dele, minha sogra e os outros
sanguessugas que vivem sob as minhas expensas.
Nada disso! Para meu pesar, foi apenas um prêmio bom, mas não
dava para começar uma vida nova ao lado de nenhuma modelo.
O suficiente para comprar um carro popular. Mas que besta seria eu se
fizesse isso!
Certamente o cunhado convenceria minha esposa a ficar com o carro (que logicamente ele dirigiria), eu continuaria com o meu carro velho e teria as despesas adicionais de combustível, taxas e o que é pior: as multas.
Não! Certamente, carro nem pensar!
Reuni a família na sala de casa para discutirmos o melhor destino para
o dinheiro. Bem que desejava que fossem apenas os titulares da casa,
mas até o cachorro deitou no tapete.
Em rápidas palavras, contei que havia recebido uma certa quantia
e desejava saber a opinião de todos quanto ao destino do dinheiro.
O primeiro a falar foi o namorado da minha filha:
- O senhor podia fazer um puxadinho na casa e colocar uma porta no quarto
da Diana para a frente, assim, nós poderíamos sair e chegar
sem perturbar ninguém...
Tenho certeza que o meu olhar perfurou os olhos do atrevido. Mesmo assim,
não pude deixar de colocar minhas convicções em
pauta:
- Eu não sei se o seu pai permite que a sua irmã entre
e saia de casa sem ser notada, mas aqui em casa a coisa é diferente.
E tira a mão da coxa da minha filha!
Não quero ser um pai retrógrado, mas a garota só tem quinze
anos! E já tem brinco em tudo quanto é parte do corpo!
Mais que tentando mudar de assunto, minha esposa mandou sua sugestão:
- Poderíamos trocar toda a mobília da casa...
- De novo?! - exclamei - Ainda nem terminei de pagar as prestações
da mobília que compramos quando sua mãe veio morar aqui...
Minha sogra resmungou algo como: "Tá vendo? Eu não disse
que ele reclama de eu estar aqui?"
Minha filha mandou pesado:
- O senhor podia pagar a plástica da mamãe. E o implante
de silicone...
-O implante de silicone eu já falei: estou juntando o dinheiro
para um dos peitos. Depois de três anos juntando mais dinheiro,
a gente coloca o outro...
Começou o bate-boca de sempre, que eu era um imprestável, um desalmado
e aquelas outras abobrinhas que sempre ouço, até que,
meu cunhado, em um lampejo de lucidez, sentenciou:
- Olha, gente! Não pode ser uma coisa individualizada, para um
ou outro. Nem algo que dure apenas uma semana ou duas, como um passeio.
Tem que ser algo para todos e que dure muito... que tal uma piscina?
A algazarra se estabeleceu. Enquanto minha filha e o namorado pulavam,
gritando "piscina, piscina", minha sogra deu um beijo na testa
do meu cunhado, meu filho caçula ficou pulando no sofá
e o cachorro rodava atrás do rabo, estragando o tapete.
Meu cunhado ficou encarregado da construção. Eu bem que fui
totalmente contra a idéia, mas sou voto vencido em minha casa.
Contratou um grupo de cachaceiros e começaram a cavar.
Apenas para encurtar a história, dois meses e quinze mil reais depois,
mais exatamente esse fim de semana, inauguramos a piscina. Não
sou muito entendido no assunto, mas é a piscina mais horrorosa
que já vi. É bem pequena, com horrorosos ladrilhos coloridos.
Não tem nada daquelas lajotas azuis ou brancas. São diversas
lajotas com o escudo do flamengo, que é o time do meu cunhado.
Em volta da piscina, no "deck", ou melhor "déqui"
como ele diz, são metros e metros de lajotas lisas com o escudo
do Flamengo. Resultado: ninguém pára de pé à
beira da piscina. Se é que posso chamar aquela porcaria de piscina.
Sexta à noite, depois do trabalho, passei no açougue e comprei
carne para um churrasco de inauguração do nosso parque
aquático, como diz minha sogra. Será que ninguém
percebeu que a piscina é do tamanho de uma banheira?
Sábado,seis da manhã começaram a bater no portão. Tocaram
a campainha, mas não está funcionando. Meio sonolento,
atendi. Ao abrir o portão, quase caí para trás.
Um mundo de gente me empurrando:
-E aí, "seu" Nestor! Viemos inaugurar a piscina...
Eu não conhecia ninguém ali... já foram entrando e
se alojando. Ao menos, alguns trouxeram cadeiras de praia.
TABUF! O primeiro escorregão. Era uma senhora enorme de gorda. O ladrilho
rachou onde ela caiu. Uma mulher toda emporcalhada de um óleo
avermelhado foi ajudá-la a levantar e também caiu. Uma
criança com uma câmara de ar de pneu de caminhão
pulou na água.
Coloquei a mão na cabeça e tive uma idéia. Sorrateiramente,
fui até o canil e soltei o cachorro. Esperava que ele mordesse
ao menos um. TABUF! Escutei enquanto caminhava para os fundos da casa.
Soltei o cachorro e fiquei aguardando sorridente os gritos que coroariam minha
vitória. TABUF! Outro tombo...
Os gritos continuavam, mas nada de pânico. Fui conferir e o desgraçado
do cachorro estava nadando na piscina, junto com o povaréu.
Fiquei pensando em colocar chumbinho na ração do miserável.
Resolvido,dirigi-me à casa. Quem tivesse convidado aquele pessoal teria
que os colocar para fora. Passei por uma turma na cozinha, preparando
sanduíches. Fui direto ao quarto, chamar minha esposa. Ela não
estava. Entrei no quarto da minha filha para perguntar pela mãe
e encontrei o asqueroso do namorado dela deitado na cama. Ela também
não estava. Dei um tapa na cabeça do sujeito e mandei
que ele ralasse dali.
Abri a porta do quarto da minha sogra no exato momento em que ela jogava
os pés para o alto, tentando entrar em um maiô pelo menos
uns quatro números menor que o dela. O que vi? Nossa! Só
de lembrar me arrepio todo! Foi a visão do inferno! Era algo
assim como um misto de barriga, bunda, celulites, duas enormes tetas
e muitas varizes. Nada arrumado, se é que me entendem. Ah! E
um umbigo enooorme. Certamente era do tamanho da piscina.
Fiquei estático na porta. O terror foi tamanho que o sangue congelou
nas minhas artérias. Não conseguia me mexer. Não
sei como ela interpretou minha atitude, de ficar ali parado, mas certamente
não condizia com a realidade.
Me jogou alguma coisa que estava na cabeceira da cama e ficou gritando:
- Sai daqui, tarado! Pervertido!
Ainda com os cabelos arrepiados, saí.
Só nesse momento me dei conta da multidão que circulava pela casa.
Um garotinho coberto de óleo e terra, com a mão entre
as pernas mijava no canto da parede da sala.
Segurei o garoto pelos ombros:
- Menino! Você mija na sala da sua casa? Nessa casa tem banheiro,
sabia?
Com a cara assustada ele fez que não. Nem deu tempo de saber não
o quê. Um sujeito de uns dois metros de altura encostou no mesmo
canto e começou a urinar.
Aquilo era demais. Resolvi ir embora de casa. Entrei no quarto e comecei a
fazer as malas. Não importava para onde iria. Só queria
sair dali. Perdi um tempão procurando as chaves do carro, até
que a mulher entrou e avisou:
- Meu irmão foi com uns amigos comprar cerveja e levou o carro...
- Mas a padaria é na esquina!
- Ele foi comprar no mercado, que é mais barato. Aliás,
coisa que você devia ter feito ontem.
Lá fora, agora ouvia um pandeiro e um coro de vozes desafinadas:
- Minha égüinha pocotó! Pocotó, pocotó,
pocotó... TABUF!
Peguei as malas e sentei na calçada, enquanto esperava o cunhado chegar
com o carro. A cada momento chegava uma nova cara. Do lado de dentro
do muro, só um som me aprazia: TABUF!
A noite começou a cair e meu cunhado não chegava. Entrei
para ligar para a polícia e dar queixa do roubo do carro, mas
havia alguém pendurado no telefone:
-É! Uma festa! Na piscina, na casa do Filé...
Filé é o apelido do meu cunhado. Na verdade o apelido
era Filão, fui eu quem o colocou. Alguém tirou o aumentativo.
Tentei usar o telefone, mas o sujeito foi taxativo:
- Aqui, mermão! Esperei duas horas prá usar o telefone.
Agora vê se espera sua vez na fila...
O pessoal na fila também reclamou. Fila? Foi só aí
que eu percebi que tinha fila pro telefone.
O cheiro de urina na sala estava insuportável.
Peguei minhas malas e saí portão afora. Fui para a rodoviária
e comprei passagem para o primeiro ônibus para fora da cidade.
Enquanto me encaminhava para o embarque, um vendedor de loteria tentou
me vender um bilhete e dei-lhe uma porrada.

J. Miguel

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