Depois que o Leão desistiu de comer o rato porque o rato estava com 
espinho no pé (ou por desprezo, mas dá no mesmo), e, posteriormente, o 
rato, tendo encontrado o Leão emvolvido numa rede de caça, roeu a rede e
 salvou o Leão ( por gratidão ou mineirice, já que tinha que continuar a
 viver na mesma floresta), os dois, rato e Leão, passaram a andar sempre
 juntos, para estranheza dos outros habitantes da floresta ( e das 
fábulas). E como os tempos são tão duros nas florestas quanto nas 
cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das 
matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido 
durante vários dias. Disse o Leão: 
- Nem um boi. Nem ao menos um paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors-d'oeuvres de uma futura refeição. 
 
Caiu estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E,
 do chão onde estava, lançou um olhar ao rato que o fez estremecer até a
 medula. " A amizade resistiria à fome?" - pensou ele. E, sem ousar 
responder à própria pergunta, esgueirou-se pé ante pé e sumiu da frente 
do amigo ( ? ) faminto. Sumiu durante muito tempo. Quando voltou, o Leão
 passeava em circulos, deitando fogo pelas narinas, com ódio da 
humanidade. Mas o rato vinha com algo capaz de aplacar a fome do ditador
 das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que ninguém jamais 
poderá explicar onde conseguiu ( fábulas!). O Leão, ao ver o queijo, 
embora não fosse animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou: 
 
- Maravilhoso, amigo, maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! 
Comamos, comamos! Mas, antes, vamos repartir o queijo com equanimidade. E
 como tenho receio de não resistir à minha natural prepotência, e sendo 
ao mesmo tempo um democrata nato e confirmado, deixo a você a tarefa 
ingrata de controlar o queijo com seus próprios e famélicos instintos. 
Vamos, divida você, meu irmão! A parte do rato para o rato; para O Leão,
 a parte do Leão.
A expressão ainda não existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto critério:
- Muito bem, meu amigo. Isso é que se chama partilha. Isso é que se chama justiça. Quando eu voltar ao poder, entregarei sempre a você a partilha dos meus bens que me couberem no litígio com os súbditos. Você é um verdadeiro e egrégio merítissimo! Não vai se arrenpender!
E o ratinho, morto de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão pensar que lambia os buracos do queijo, E enquanto lambia o ar, gritava, no mais forte que podiam seus fracos pulmões:
- Longa vida ao Rei Leão ! Longa vida ao Rei Leão!
A expressão ainda não existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto critério:
- Muito bem, meu amigo. Isso é que se chama partilha. Isso é que se chama justiça. Quando eu voltar ao poder, entregarei sempre a você a partilha dos meus bens que me couberem no litígio com os súbditos. Você é um verdadeiro e egrégio merítissimo! Não vai se arrenpender!
E o ratinho, morto de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão pensar que lambia os buracos do queijo, E enquanto lambia o ar, gritava, no mais forte que podiam seus fracos pulmões:
- Longa vida ao Rei Leão ! Longa vida ao Rei Leão!
MORAL : Os ratos são iguaizinhos aos homens. 
                                                                                            Millôr Fernandes             
             

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